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Religião e magia


Muitos crentes têm confiado no poder
de objetos e ditos mágicos.
Podemos chamar de magia à prática de se conferir valor espiritual a objetos, rezas ou artifícios místicos. Poderes mágicos, ou sobrenaturais, costumam ser atribuídos pelas pessoas a uma determinada crença ou sacerdote. E é da natureza do negócio religioso a crença de que esses sacerdotes, ou agentes mágicos da religião, possuem um poder especial para manusear objetos ou proferir rezas, tornando-os sagrados ou amaldiçoados. Tais supostos poderes podem ser estendidos a substâncias como água ou sal. Assim, se o sacerdote faz determinada prece ou rito, a água já não é simplesmente água – passaria a ter um valor agregado, capaz de proporcionar benefícios a quem tomá-la ou tocá-la. Sal abençoado, nessa lógica, já não é simplesmente um composto de cloro e sódio; passa a ter poderes para afastar os espíritos ruins que perturbam as pessoas. Por isso é que surgem líderes que nada mais são do que charlatães, prontos a diagnosticar problemas espirituais nas pessoas e a oferecer-lhes soluções mágicas – quase sempre, em troca de dinheiro. E esse sistema não é exclusivo das crenças de outras religiões; o cristianismo traz em sua essência religiosa esses elementos estranhos à vivência comunitária de Jesus Cristo e à primeira geração de discípulos.

No cristianismo reformado, por exemplo, não se percebia, até algum tempo atrás, a crença no poder e mediação de objetos ou símbolos mágicos. Nunca, tampouco, a tradição evangélica atribuiu poderes especiais a declarações positivas ou chavões. Sou filho da geração evangélica que não acreditava, por exemplo, no poder dos objetos usados como amuletos para gerar benefícios ou malefícios sobre as pessoas. Havia, na Igreja protestante, uma percepção crítica e uma rejeição explícita tanto à água benta como à suposta incorporação de Jesus Cristo na hóstia – crenças típicas do catolicismo romano. Surpreendentemente, o pão e o vinho abençoados no rito protestante, mesmo que usados, também, para punição e discriminação das pessoas, em geral, não foram submetidos à mesma critica. Quando os objetos se tornam sagrados, passam a ter mais importância do que as pessoas.

Que dizer, então, de práticas ocultistas, mecanismos de amarrações do mal e consagrações de amuletos? Diante de necessidades, medo, opressão e dependência, os clientes da fé vão fortalecendo e gerando enriquecimento das empresas religiosas, por meio da mercantilização do Evangelho. Essa lógica inescrupulosa tem contaminado várias religiões brasileiras, incluindo muitos segmentos evangélicos. De fato, o cristianismo brasileiro passa por um processo de sincretismo interno e externo. Basta observarmos que, do ponto de vista da liturgia, o catolicismo adota práticas dos ritos do pentecostalismo. Por outro lado, grandes grupos evangélicos apropriam-se de terminologias e práticas de magia estranhas à tradição reformada. A questão grave é a militância e a competição acirrada entre as religiões na busca ávida por adeptos a serem explorados..

Magia, mercado e idolatria (a visível e a invisível) formam um conjunto favorável para o sucesso das indústrias da fé. Nesse contexto, a aspiração pelo sacerdócio ou liderança religiosa precisa ser avaliada, a fim de se identificar se a opção é pela vocação mesmo ou mera resposta à tentação por poder e dinheiro. Da mesma forma, os fiéis precisam discernir quanto à opção por um ambiente religioso que atenda às expectativas essencias da religião – que é o de favorecer um ambiente onde se desenvolvam valores, princípios e uma boa ética. Contudo, se esse ambiente gera dependência, medo e discriminação, provavelmente, não representa a matriz estabelecida por Jesus Cristo e a primeira geração de discípulos, que anuncia libertação, resgate da dignidade humana e justiça solidária.

Sem emitir um juízo de valor no que diz respeito às negociações dos símbolos e expressões religiosas, há que se levantar outra possibilidade quando se exercita uma espiritualidade fundamentada excessivamente pela prática da magia. Nesta situação, a missão tende a ser uma interferência exclusiva pela via da magia milagrosa, e não como desdobramento de uma práxis evangélica, como sinal do Reino de Deus. Se as coisas são supostamente resolvidas por uma frase positiva ou por determinado fetiche, acentua-se a alienação quanto às explorações e injustiças sociais, comprometendo a missão que exige transformação do coração das pessoas e das conjunturas e estruturas políticas e econômicas injustas da sociedade. Se a religião é o ópio do povo, a magia é o narcótico. Que Deus nos ajude a encontrar uma espiritualidade permeada de discernimento.

Por Carlos Queiroz

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