A súbita queda de Eduardo Cunha é sintoma de um Brasil imprevisível

Citado em delações da Lava Jato, denunciado ao STF e agora diante de suspeita de ter omitido a existência de contas na Suíça, a trajetória do presidente da Câmara Eduardo Cunha segue um enredo diferente dos demais citados em escândalos de corrupção em passado recente. A começar que não renunciou ao cargo (ainda). 

Na imprensa, foi poupado: as notícias sobre suas supostas contas no exterior ocuparam um espaço diminuto em jornais e revistas. Diferentemente do que vem acontecendo nos últimos meses – quando acusados foram logo execrados e afastados de suas funções ou mesmo presos preventivamente – Cunha adota um padrão antigo: acuado, parte para a ofensiva. Aparentemente, tem bala para isso.

Na tradição brasileira o acusado que detém mandato público evita se afastar, pelo contrário, peita. Mas até onde vai Cunha?

A resposta a esta pergunta talvez dê a dimensão exata de até onde vai, de fato, o ímpeto (até pouco tempo atrás tão evidente) de “moralizar” o país. Não é de agora que denúncias de corrupção servem primordialmente como ferramenta da luta política. Ou seja: o fato gravíssimo de hoje pode não ser nada amanhã (pode sumir dos noticiários, por exemplo), de acordo com arranjos e circunstâncias. 

Ou o contrário: fatos absolutamente insignificantes podem adquirir vulto despropositado por servirem apenas à guerra de bastidores. Desta dinâmica parece alimentar-se o Brasil atual, independentemente de eventuais avanços reais em prol da probidade pública. 

Neste cipoal, onde encaixar os tais US$ 5 milhões que, como dizem os noticiários, pertenceriam a Cunha e familiares em contas secretas na Suíça?

Confesso que nunca tinha prestado atenção em Eduardo Cunha até meados de 2014 quando, candidato a deputado federal no Rio de Janeiro, ele mandou publicar durante dias seguidos no jornal O Globo um anúncio pago contra o aborto – ao lado de seu nome e número. 

Muitos candidatos (os que tem mais $) publicam anúncios nos jornais, mas no caso de Cunha o que chamava a atenção é que, mesmo antes das eleições, já se especulava seu nome como futuro presidente da Câmara.

Eleito para a presidência da Câmara, Cunha revelou-se ao país. Parecia a cara de um novo conservadorismo brasileiro popular, refletido na Câmara nas chamadas bancadas da Bíblia, Bala e Boi, de cuja essência o político carioca parecia ser a síntese. 

De uma nova hegemonia no país, capaz, por exemplo, de alterar a Constituição, como aconteceu na votação da redução da maioridade penal. Como prometia acontecer (e talvez aconteça independentemente de Cunha) em matérias como a mudança nas regras da demarcação das terras indígenas, de interesse dos ruralistas, do estatuto da família, apoiado por bancadas religiosas, e da revisão do estatuto do desarmamento, no radar do lobby das empresas de armas.

Com ou sem Cunha, não há razão para acreditar que essa pauta, digamos “neoconservadora”, deixe de avançar. Ao menos na Câmara, a maioria aponta para isso. Nestes termos, Cunha é apenas um nome, entre outros, na disputa por interesses, que é, afinal, a razão última da política.

Mas sobretudo a trajetória de Cunha – de ascensão (mereceu uma capa elogiosa da revista Veja em março) e queda (que na prática já aconteceu com a diminuição de poder político) – é a sugestão de um país em estado líquido. Nada se solidifica. Tudo é transitório. Não há maiorias, nem referências. Pororoca que segue em rota imprevisível.

yahoo

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