Pessoa favorita
Querida chapinha,
"Nunca vi tão pequena e tão legal", foi o que disse um menininho de 8 anos sobre você. Estávamos no parque e você, com sua nova obsessão por "bá" (bola de futebol), corria atrás do garoto que jogava sozinho. Depois de você ter tentado fugir com a bola dele, conseguimos te ensinar que a brincadeira é mais legal quando envolve mais de um.
E na despedida, ouvi ele falando isso pra mãe. "Nunca vi tão pequena e tão legal" No fundo, ele estava apenas alfinetando a irmã mais nova que assistia a tudo com cara de brava. Mas não importa, ele sacou bem qual é a tua, baixinha.
Você é minha pessoa favorita no mundo. Veja, sou seu pai e tenho que te amar. Isso vem com o pacote paternidade. Te amo, e faço tudo que isso implica e ok. Mas, além disso, queria que soubesse, você é minha pessoa favorita. Papai tem grandes amigos, a mamãe lindona, uma família fera, pessoas que admira, ídolos, blá blá blá. Mas de todos, no mundo inteirinho, e em toda a história, você é minha favorita.
Tentei fazer um exercício besta de imaginar se sentiria o mesmo não fosse nosso vínculo sanguíneo. E bem, provavelmente eu não teria a chance de te conhecer. Você é um bebê, eu sou um adulto. A nossa amizade seria no mínimo excêntrica e bastante improvável. Fico imaginando a gente no rolê, indo sei lá, num show, e as pessoas falando, que lindinha sua filha e eu respondendo, "Não,não. Ela é minha amiga mesmo. Ela que curte essa banda." Não acho que faria sentido.
É, isso, minha comparsinha, se não fosse teu pai, gostaria de ser teu amigo.
Eu amo quase tudo que você faz. Assim, não curto trocar sua fralda, mas acho demais quando cê fala cocô pra avisar. Listo aqui alguns gostos, gestos e hábitos seus que amo e registrei mentalmente durante um dia. Muitos desses você irá deixar para trás com o passar do tempo. Outros talvez não.
Amo:
- A maneira como você pira ao ver um avião ou helicóptero no céu. Eu também piro, mas tenho que disfarçar pros outros adultos. Como aquilo voa, né!?
Talvez, no futuro, você tenha que conter a emoção, mas tenha isso em mente, é fundamental conseguirmos nos surpreender com as coisas cotidianas.
- Como você adora todas as crianças e as chama de "nenê" independentemente do quão maiores elas sejam. Tomara que siga admirando os outros e os tratando como iguais sempre.
- Quando você se reconhece em uma foto, sorri e também se chama de "nenê".
Acho importante não ser crítica com sua própria imagem e continuar se curtindo. Cê é linda, viu!?
- O jeito que você ri e mostra seus poucos dentinhos.
É isso ae: "Respeite muito suas lágrimas, mas ainda mais suas risadas"
- Como você olha pra mim.
Torço a valer que siga me olhando com essa curiosidade e afetividade. Pode ser que mude o olhar, mas o amor, acho que não.
- Sua inteligência. E seus ensinamentos diários.
Aqui, a tarefa é minha. Prometo me manter atento e aberto para seus ensinamentos.
- Sua carinha amassada quando acorda de manhã.
A gente sempre acorda remelento, não importa a idade.
- Quando você dança instintivamente, sem que ninguém tenha ensinado, ao ouvir qualquer música.
Continue dançando, yeah!.
- Que você é a única pessoa no mundo que curte me ouvir tocar violão.
Bem, com o tempo, imagino que seu gosto musical se torne mais refinado e meu desafinar não te agrade. Quem sabe eu não melhore meu repertório com os anos, né?
- Seu interesse genuíno a tudo que te apresento. Sua curiosidade e como dá chance a tudo.
Curiosidade é uma qualidade absolutamente linda e deixa a vida mais interessante.
- Como quase nunca você fica entediada.
É, isso, com certeza vai mudar. Mas aí, tente usar o tédio a seu favor como força motivadora para buscar coisas novas.
- Seu fascínio por livros.
Os livros são uma ótima companhia, torço que siga lendo. Inclusive essas cartinhas todas que fiz.
- Que ame jogar bola ou brincar de boneca. Curta o rosa e o azul igual.
Isso ae, coisinha. Esse papo de coisa de menino ou menina é papo de gente careta. Curta o que quiser.
- Nossa paixão pelo Caetano e todos os interesses que dividimos.
Caetano seguirá tocando aqui em casa, quer queira, quer não.
- Sua carinha ao ver a chatinha da Peppa na tv. E sua carinha de indignação quando desligo a Peppa. (você vira as palminhas das mãos pra cima, e olha pra mim como quem diz, "porque cê fez isso, cara?").
Mesmo trampando em tv, te digo sem medo de errar, é perda de tempo. Quer dizer, tem coisas bem legais. Mas a coisa lá fora é sempre mais interessante.
- Como chama os pombos de "cocó" os promovendo a galos. E como fica feliz em reconhecer um cachorro. Você diz "au au" empolgada como se trombasse um amigo.
É, cê vai sacar que pombos são sujos. Mas nunca os maltrate, tá? Torço que não vire essas crianças que fazem maldade com animais. Inclusive, não sou mais vegetariano, mas se decidir por isso terá meu apoio.
- Seu carinho.
Não é fácil, e eu não sei bem o motivo, se manter carinhosa. A vida nos endurece, acho. Bom, carinho deixa as coisas mais doces. Dar e receber.
- Quando me chama de papai.
Só chamar que estarei aqui.
E por fim, parte meu coração ver sua dor ao sacar que tô indo trampar. Tomara que em algum momento da vida eu trabalhe menos. Consiga resolver a onda da grana e estar mais presente. É o plano.
Que bom que a vida quis que você esbarrasse em mim. E que fosse minha filha. Que sorte! Minha pessoa favorita é justamente minha filha. E eu nem espero que seja reciproco. Sei que cê tem uma quedinha mais forte pela mamãe e beleza. Tô nem aí, não abala em nada, minha parceirinha.
E esses dias você começou a andar, coisinha. Um pequeno passo para você e um gigantesco passo para nossas vidinhas. É lindo de te ver andando que nem o papai andava nos tempos de porre. Toda desajeitada, quase caindo e muito feliz por conseguir concluir o trajeto.
Bebês são um pouco como adultos bêbados, né? Talvez daí eu tenha pirado tanto em você. Eu que nunca liguei muito pra bebês e gostava tanto de beber, abdiquei quase que por completo o rolê gorô. Eu sinto saudade, mindoin, não vou mentir. Mas o que tenho agora é tão maior e lindo.
Por exemplo, papai sempre usou all star. Amava esse tênis. Usava todo dia. Jogava bola, ia a formaturas, festinhas, casamentos. Sempre de all star. Hoje, chegando aos trinta, não consigo mais usar com a mesma frequência. As costas, os joelhos, os pés, tudo dói.
Passei a usar um tênis horrível que tinha comprado apenas para correr (é, antes corria de all star também). Esse novo par de tênis é tão feio. Não combina com nada, e não tem nada que ver com qualquer "estilo" ou "look". Mas, eles são tão incrivelmente confortáveis. Cê não tem ideia, parece que a gravidade diminui e eu fico por aí quase flutuando. E mesmo que ainda role colocar um velho e surrado all star, cada vez mais tenho preferido o tênis feioso.
É meio isso, quando soube que você tava vindo, cheguei a pensar "é, minha vida acabou." E bem, aquela vida, daquela maneira, acabou mesmo. Mas a nova vida que nasceu contigo é tão mais rica e saborosa, lagostinha. É treta pra porra, mil responsabilidades, não tenho tempo pra nada, só que agora eu flutuo, saca? Tô infinitamente mais confortável com você e meu tênis feioso.
E pra completar o lance, você é minha pessoa favorita. A que eu mais curto estar perto, formiguinha. Provavelmente, não será sempre assim. Vão rolar fases que nos odiaremos, imagino. Momentos em que simplesmente não vamos nos entender. Falaremos línguas opostas. Defenderemos posições diferentes.
Todo mundo diz que a adolescência é difícil. Que todo adolescente odeia os pais. Vou tentar me preparar pra isso, mas tomara que alguns interesses permaneçam. Quer dizer, não espero que você continue achando o máximo quando te jogo pra cima e pego no ar ou quando mordo sua barriga. Mas espero poder seguir curtindo o Caetano contigo, por exemplo. Ah, poderíamos montar uma banda! Que cê acha? !? Não, calma. Eu digo isso pra todo mundo que gosto. Mas vamos?! É, ok, conversamos no futuro.
Bem, essa carta é bestinha e simples mesmo, viu? Só pra dizer que você é a pessoa mais fo** que já conheci.
Beijos, seu camaradinha, papai.
BrasilPost
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