Ouvir a voz de Deus

Como podemos ouvir uma pessoa se não encontramos tempo para nos assentarmos com ela e lhe dedicarmos total atenção? 
O mundo moderno, com seu legado positivista, nos ensina a ler com os olhos e refletir com a mente. No entanto, preciso redescobrir o lugar do ouvir a voz de Deus e como acolhê-la no meu coração.
Em minha jornada pessoal, o início de cada ano sempre foi caracterizado por muita reflexão e tomada de decisões em relação aos próximos passos de minha vida. Essa época, e também a proximidade da data em que comemoro mais um aniversário, me proporcionam o cenário adequado para momento mais íntimo de avaliação interior e consequente percepção da agenda de Deus para minha vida e história.

Envolvido por este exercício, fui levado a me questionar: O que mais necessito neste momento de minha existência? Qual é a minha maior necessidade para a continuidade de minha jornada? O que devo buscar como essencial nos próximos dias, semanas e meses de minha vida? A conclusão a que cheguei foi de que eu preciso ouvir mais a voz de Deus em meu coração. Ela é essencial para a ordem de minha vida e para o sentido de minha história.

A história da salvação, conforme registrada nas páginas da Bíblia, tem seu início com o relato da criação do universo. Em Gênesis 1.2, encontramos a afirmação de que “a terra era sem forma e vazia”. A palavra normalmente utilizada pelos estudiosos para definir esse estado “sem forma” e “vazio” da terra é caos, ou seja, ausência de ordem ou completa confusão. Este é o universo antes que a voz de Deus ecoe nele e através dele. Mas, imediatamente após tal descrição, encontramos uma frase que dá início a uma grande transformação no cenário. Por onze vezes, ao longo daquele capítulo, o autor de Gênesis faz uso da seguinte frase: “Disse Deus”. A partir do momento em que a voz de Deus ecoa no caos, tudo, gradativamente, passa a ganhar forma e ordem. Na medida em que a voz de Deus é ouvida, o caos se dissipa e a vida, em sua plenitude, se instala.

É surpreendente observar como o fantástico cenário que nos é oferecido no relato da Criação se transforma numa espécie de padrão ao longo da história bíblica, assim como em nossas vidas. Onde a voz de Deus não é mais percebida ou ouvida, gradativamente, o caos se instala e a vida se esvai. Contudo, quando a voz de Deus volta a ecoar num coração ou volta a ser ouvida numa situação, mais uma vez, o caos se dissipa – e a vida se reorganiza. Assim também acontece em minha própria vida. Existem momentos em que passo a me dedicar tão exaustivamente a atender as demandas dos que me cercam, a corresponder aos desafios que me são lançados e a cumprir os papéis que me são impostos, que minha vida se transforma em um verdadeiro caos. Em momentos assim, não faltam compromissos e movimentos em minha agenda; tudo, no entanto, se torna “sem forma” e “vazio”.

Quando minhas prioridades não estão alinhadas com minha vocação e meus esforços estão desprovidos de propósito, é aí que me rendo à necessidade de “ouvir mais a voz de Deus”. Somente esta voz, quando ecoa em nossos corações, tem o poder de dissipar o caos que se instala em nossas vidas. Só ela pode nos levar a reencontrar a ordem interior, lembrando-nos de quem realmente somos e para quê fomos efetivamente chamados. Minha constatação sobre a necessidade de ouvir mais a voz de Deus me conduz a outras perguntas. Como posso ouvi-la de forma mais consistente no meu coração? Como posso discernir de forma mais clara a voz de Deus em meio a tantas outras vozes, inclusive as de minha alma, que tentam impor em mim suas agendas?

Em primeiro lugar, para ouvir a voz de Deus com mais consistência e discernimento, preciso demonstrar que tal anseio é realmente prioritário em minha vida. Isso implica em sentar-me mais vezes na presença do Senhor em solitude, silêncio e total atenção, na expectativa de ouvi-lo falar. Afinal, como podemos ouvir uma pessoa se não encontramos tempo para nos assentarmos com ela e lhe dedicarmos total atenção?

Em segundo lugar, para ouvir a voz de Deus com mais consistência e discernimento, preciso redescobrir a capacidade de ler as Escrituras “com os ouvidos” e acolher as palavras “com o coração”. O mundo moderno, com seu legado positivista, nos ensina a ler com os olhos e refletir com a mente. Creio na importância dos olhos atentos e da reflexão profunda – no entanto, preciso redescobrir o lugar do ouvir a voz de Deus e como acolhê-la no meu coração.

Em terceiro lugar, para ouvir a voz de Deus com mais consistência e discernimento, preciso me comprometer no desenvolvimento de relacionamentos com pessoas que tenham o mesmo anseio e disposição. Pessoas envolvidas com o mesmo propósito podem me ajudar, com suas próprias experiências, nesta caminhada. No entanto, pessoas desinteressadas pela voz de Deus apenas contribuem com a sobrecarga de demandas, desafios e papéis que sempre me levam para bem longe de minha identidade e vocação.

Por Ricardo Agreste
Cristianismo de hoje

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